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Morreu o pintor moçambicano Malangatana aos 74 anos, no Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos, vítima de doença prolongada, segundo a direcção do hospital
Malangatana Valente Ngwenya nasceu a 6 de junho de 1936 em Matalana, uma povoação do distrito de Marracuene, às portas da então Lourenço Marques, hoje Maputo. Foi pastor, aprendiz de curandeiro (tinha uma tia curandeira) e mainato (empregado doméstico).
Mas a sua figura e a sua arte, são incontornáveis e imortais. Falar da pintura africana, no que esta tem de mais genuíno nas suas raízes históricas e culturais, sobretudo no sofrimento e nas vicissitudes pelas quais passaram os seus povos, é associarmos imediatamente o pensamento ao pintor Malangatana.
Nele existiam as melhores virtudes que um artista pode possuir da herança cultural da sua terra: o talento para a pintura e para música, a dança, o folclore, para a inesgotável capacidade de recuperar a ancestralidade da sua identidades - Sem dúvida, Malangatana era um artista completo: amava o seu país! O seu querido Moçambique e este amava-o com a mesma reciprocidade. Hoje o seu povo está de luto. E chora-o, por certo, em lágrimas. Embora os seus quadros e esculturas, os seus painéis, permaneçam com o testemunho vivo da sua arte, da sua obra. Ele já não está entre nós. O seu espírito está agora noutra viagem, do lado da fronteira que nos separa de dois mundos. Uma espécie de limbo que não está ao alcance da carapaça dos vulgares mortais e nem a sua mente o compreende. Sim, porque, verdadeiramente, vivos são aqueles que permanecem em viagem pela eternidade. Em demanda de uma nova paragem para encetarem nova aventura terrena. Os que estão do lado de cá, não tem a espantosa capacidade dessa mobilidade. A missão que o universo nos destinou é para evoluirmos, o acompanharmos no seu imparável processo evolutivo. O que acontece é que, a grande esmagadora dos humanos, não vive, vegeta ou nem sequer se esforça para nada. O espírito de Malangatana regressará um dia. A dúvida é sabermos como, quando e de que forma ele terá então nova missão a cumprir.
Por agora, resta-nos, porém, a certeza de que a sua memória jamais será esquecida e que o contributo da sua herança artística e cultural, é impagável. Razão pela qual o tempo dificilmente a apagará
"A única realidade da vida é a sensação. A única realidade em arte é a consciência da sensação."
Fernando Pessoa
Fernando Pessoa
TIVE O PRAZER DE ME ENCONTRAR, POR DUAS VEZES, COM O PINTOR MALANGATANA - CREIO QUE NO MESMO ANO - NUMA EXPOSIÇÃO DA COLECÇÃO Manuel de Brito. FUNDADOR DA Galeria 111NAUGURADA NO Centro de Arte Manuel de Brito , PARQUE ANJOS EM ALGÉS, OEIRAS E, POR OCASIÃO DE UMA HOMENAGEM A Agostinho da Silva
Em Algés, pude apenas trocar umas ligeiras impressões, cumprimentá-lo e fotografá-lo. Porém, no teatro onde decorreu apresentação do filme da obra de Agostinho da Silva, estive sentado ao lado dele e da sua companheira. No final da secção, reafirmei-lhe a minha admiração pela sua arte, falámos da sua terra e contei-lhe algumas das minhas aventuras pelos mares do Golfo da Guiné, com o objectivo de provar que o passado daquelas ilhas, que ali se situam, é bem mais antigo do que o relatado pelos compêndios coloniais. Ele mostrou-se muito impressionado com essas minhas viagens marítimas, nas frágeis pirogas primitivas, tendo-me dado o seu e-mail para lhe enviar algumas imagens fotográficas. Foram momentos muito cordiais, igualmente partilhados pela sua grande amiga, a quem, neste momento envio as minhas mais sentidas condolências.
BIOGRAFIA
Nasceu na localidade moçambicana de Matalana. Passou a infância a ajudar a mãe na fazenda enquanto frequentava a Escola da Missão Suíça protestante, onde aprendeu a ler e a escrever e, após o seu encerramento, a Escola da Missão Católica, concluindo a terceira classe em 1948[2]. Aos 12 anos de idade, mudou-se para Lourenço Marques (actual Maputo) à procura de trabalho, tendo praticado vários ofícios humildes e acabando por em 1953 arranjar trabalho como apanhador de bolas num clube de ténis, o que lhe permitiu retomar os estudos, frequentando aulas nocturnas que lhe despertaram o interesse pelas artes, onde teve como mestre o arquitecto Garizo do Carmo Um dos membros do clube de ténis, Augusto Cabral, ofereceu-lhe material de pintura e ajudou-o a vender os seus primeiros trabalhos.
Em 1958, ingressou no Núcleo de Arte, uma organização artística local, recebendo o apoio do pintor Zé Júlio. No ano seguinte, expôs a sua arte publicamente, pela primeira vez, numa exposição colectiva, passando a artista profissional graças ao apoio oferecido pelo arquitecto português Pancho Guedes, através da cedência de um espaço onde pôde criar o seu atelier, e da aquisição mensal de dois quadros[2]. Em 1961, aos 25 anos, fez a sua primeira exposição individual no Banco Nacional Ultramarino, Em 1963, publicou alguns dos seus poemas no jornal «Orfeu Negro» e foi incluído na «Antologia da Poesia Moderna Africana»[2].
Nessa altura, é indiciado como membro da FRELIMO, ficando preso na cadeia da Machava até ser absolvido a 23 de Março de 1966[2]. A 4 de Janeiro de 1971, foi novamente detido, a fim de esclarecer o simbolismo do quadro «25 de Setembro», exposto recentemente no Núcleo de Arte, o que pôs em risco a sua partida para Portugal, onde obtivera uma bolsa da Fundação Gulbenkiam para estudar gravura e cerâmica
Depois da independência de Moçambique, foi eleito deputado em 1990, pela FRELIMO. Em 1998, foi eleito para a Assembleia Municipal de Maputo e reeleito em 2003. Participou em acções de alfabetização e na organização das aldeias comunais na Província de Nampula. Foi um dos fundadores do «Movimento Moçambicano para a Paz» e fez parte dos «Artistas do Mundo contra o Apartheido
Faleceu a 5 de Janeiro de 2011 no Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos, em Portugal
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