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Lisboa, Lisboa, Portugal
Desoculto nocturno é abordagem de várias questões: Ora surgindo desnudado à luz do grande leão dos céus, ora sob o manto diáfono da noite, festejando a princesa das trevas, em peregrinações, onde o piar dos mochos e o grito das raposas, são as únicas vozes que quebram o silêncio milenar de canadas e penedias, nas quais ritos e mistérios ancestrais, ainda vagueiam à solta - Envergando várias túnicas, desdobrando-me em múltiplas personagens - Ou é privilégio do poeta dos heterónimos, que só discorreu à mesa dum café ou acastelado em sua“aldeia”?..Sei que posso correr o risco de não ser tomado a sério: mas que fazer? . - Dizia-se de Florbela Espanca, que os poetas e os profetas “usam disfarces que os tornam semelhantes a tudo o que os cerca”- Quando criei este site, foi apenas a pensar nos chamados fenómenos do mundo paranormal: relatos pessoais, consequência da minha adolescência, em sabates noturnos?!.. Ou fruto de solitárias e longas experiências marítimas em calmos e tempestuosos mares?!.. Estas as interrogações que pretendi aqui abordar. Afinal, cedo constatei ser-me difícil passar indiferente à análise e à reflexão, ocasionalmente, de outros fenómenos e temas da actualidade

sexta-feira, 4 de março de 2011

ROMANCE NO SHERATON LISBOA HOTEL E A FUGA DA CASA DA AMÁLIA RODRIGUES - POR CAUSA DA SUA PRIMEIRA RELAÇÃO SEXUAL


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Foram dois meses maravilhosos de sexo e amor, sauna, piscina, diversão e boa comida - Num dos hotéis mais luxuosos de Lisboa, com a mulher do ex-Director-Geral: a mais charmosa entre as charmosas - Inicialmente tencionava apenas homenagear uma grande amiga e companheira, com a qual vivi oito maravilhosos anos e passámos uma lua de mel de dois meses no .Sheraton Lisboa- Mas depois acabaram por surgir outras recordações por acréscimo. E a edição das imagens e do texto(editada na postagem anterior SEXO,AMOR E BRUXARIA DE RASPUSTIN II, ) foi muito além do que imaginava -

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Havia ainda muito mais histórias para contar mas acho preferível retomar o episódio da fuga da Casa da Amália Rodrigues (hoje museu)por causa das suas declarações sobre a sua primeira relação sexual - O poste anterior já ia ficando longo e tive que o abreviar. Daí ter editado este , onde o leitor poderá conhecer mais alguns pormenores.




Naturalmente que não se tratou de uma fuga por agressão ou assalto. Mas de preservar um instrumento de trabalho.

Desloquei-me a sua casa para lhe fazer uma entrevista sobre a sua primeira relação sexual. Telefonara-lhe na véspera e ela havia manifestado a sua concordância. Mas, ás tantas da gravação, arrependeu-se e quis ficar-me com o gravador e a cassete. E não tive outro remédio senão sair de lá a correr, com ela e o grupo de pessoas amigas, que se encontravam em sua casa, todos atrás de mim. A pintora Maluda era a mais inconformada.

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AS PAZES...E A HOMENAGEM DE UMA FOTO EXCLUSIVA
Antes de retomar o episódio, vou começar por dedicar esta fotografia em memória da Amália Rodrigues: - registada no dia do lançamento do livro, " Uma Estranha Forma de Vida", de autoria de Vítor Pavão dos Santos , que teve lugar na Adega Machado - A imagem é de minha autoria e trata-se de uma pose, espontaneamente da Amália, frente a um antigo quadro da Severa e em pose de fadista - Selando, dessa forma, artística e gentil, o termo de um período de agastamento e distanciamento , depois da fuga precipitada de sua casa. A imagem foi obtida por uma pequena compacta de bolso.


Creio que houve mais uma pessoa que terá aproveitado a oportunidade para registar a mesma pose. Mas ela voltou-se, foi para mim e perguntou-me: "Você está aqui?!..." Eu respondi-lhe: "
 
Sim, estou aqui porque não hei-de estar aqui?!... Quem não deve não teme!... Amália, sabe dizer-me se alguma vez eu usei as suas palavras da entrevista? .. As transmiti ou as publiquei nalgum jornal?!...Desculpe não ter-lhe dado a cassete e tê-la deixado se calhar preocupada mas Amália também queria o gravador e eu não podia ficar sem ele"


- Isto passou-se já na ponta final da cerimónia, quando os repórteres fotográficos e a maioria das pessoas, haviam saído. Eu fizera outras fotografias mas andara por ali discretamente. Aguardei para o fim, cauteloso, pois não sabia como ela ia reagir à minha presença: surpreendentemente foi amistosa: "Vá... então dê cá um beijinho e tire-me aí uma fotografia!"....

Não cabia em mim de contente.... Até já parecia que estávamos mais à vontade que o resto da sua comitiva...Finalmente acabou-se o pesadelo.. Autografou-me a obra (a que se juntou o autógrafo de Victor Pavão) e parti dali como se fosse um velho amigo....


Amália sempre foi um coração de oiro, expansivo, alegre e frontal; muito generosa e soube perdoar. Mas o nosso país pequeno demais para a sua grandeza mas uma grande quinta para os invejosos. Tinha muitas razões para se acautelar....Não foi a queda do regime que a magoou mas certos extremismos e oportunismos . Aliás, foi até depois do 25 de Abril, que Amália recebeu as maiores homenagens e distinções. .Foi condecorada com o grau de oficial da Ordem do Infante D. Henrique, pelo então presidente da República, Mário Soares. Ao mesmo tempo, atravessa dissabores financeiros que a obrigam a desfazer-se de algum do seu património - In..Amália Rodrigues – Wikipédia,
 
Curiosamente as farpas vieram dos que se notabilizaram em boa parte à sua custa.. Foi alvo de boatos pelos jornais e por algumas pessoas de uma certa esquerda oportunista e extremista que se meteram na sua vida íntima e acusaram de tudo e mais alguma coisa...Declarou-mo noutra entrevista.. E também, pouco antes de sua morte, à jornalista Felícia Cabrita Amália Rodrigues - a derradeira entrevista


FUGA DA CASA DE AMÁLIA 

A entrevista fora congeminada e combinada no Botequim da Natália Correia - Aliás, tal como outras sobre o mesmo tema, publicadas no Tal & Qual. Tendo, até, por via disso, chegado a escrever no Diário de Notícias, em defesa de Afonso Moura Guedes, quando Vera Lagoa (Maria Armanda Falcão) o atacou nas páginas do Semanário O Diabo


"Então porque não entrevista a Amália?!... Seria interessante sabermos como a nossa diva do fado se desvirginou!..." - A sugestão foi secundada por uma gargalhada geral. Pois a voz da Natália (mesmo que o Botequim estivesse cheio), distinguia-se perfeitamente entre a música do piano ou o barulho de outras vozes. Ainda conservo alguns registos gravados do ambiente e de ela a cantar: "Morte que Mataste Lira" - Em sua homenagem, aqui vai uma das canções que tanto gostava.

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Nem mais um instante hesitei. Estava sentado junto ao balcão do bar. Fui à minha agenda, peguei no telefone, que estava mesmo ali à mão e disquei directamente para casa de Amália.Era já um pouco tarde, pedi-lhe desculpa pelo adiantado da hora e disse-lhe que gostaria de lhe fazer uma pequena entrevista para o Tal &  Qual - Acedeu

"Já está combinada!... Vou lá amanhã!" - disse imediatamente à Natália "Parabéns!... Estou cheia de curiosidade
" - remata a autora da Mátria
Na tarde do dia seguinte, lá me apresentei no antigo solar da Amália, no 1º andar do nº 193 da Rua de São Bento - hoje transformado em Casa Museu - Amália - Era a terceira vez que me dava o prazer de me receber em sua casa. Sim, na altura a concorrência da rádio e da televisão, não era como agora. Estava na companhia de Maluda e de um restrito grupo de familiares e pessoas amigas. A entrevista discorria sobre a primeira relação sexual. Mas a pergunta sacramental só viria depois do preâmbulo . E fui torneando a questão "mole e mole", como se diz em África: nunca lhe cheguei a dizer que o tema principal da entrevista era que me revelasse como tinha sido a sua primeira queca ou quem primeiro arranhou. Foi-se discorrendo... Houve que andar pelos preliminares... Até que, por fim, lá confessou o desgosto que a assolapada paixão lhe havia causado.

 

Recebeu-me de uma forma muito amável, no alto das escadas, muito sorridente, naquela sua expressão, a que o público também se habituou, sempre que aparecia em palco. Amália era íntegra, a hipocrisia e o fingimento não faziam parte do seu carácter. No fundo, era assim para toda a gente - para os amigos e gente anónima. Amália não tinha duas faces. Só quando cantava o fado, então é que o seu rosto era a dor ou a alegria das composições que interpretava.

Logo que transpus o último degrau, cumprimentou-me com um beijinho, levando-me de seguida para junto de um grupo de amigas, que estavam lá mais à frente, a um canto da casa do lado esquerdo e junto à janela, que corresponderam simpaticamente. E lá passei um grande bocado da tarde. Curiosamente, não se falava de outra coisa senão de sexo. Claro, de uma forma trivial: de fofoquices. Sem qualquer carácter obsceno. E foi com estas palavras que me apresentou às suas amigas: "
Você também gosta de falar de sexo?!... Elas são marotas!... Não faça caso que elas sabem muito mais do que eu!..." - "Estejam à vontade"- respondi. "Eu também gosto de conversar sobre essas coisas..."

E, de facto, mesmo reconhecendo que a conversa andava à volta de questões relacionadas com o amor, o sexo, episódios de namoricos, cenas de filmes românticos e coisas do género, tive a percepção de que, Amália, estava longe de imaginar a pergunta marota que eu levava engatilhada - Costuma-se dizer que as boas reportagens são aquelas que vêm ao encontro do repórter e não as programadas - E, em boa parte, foi o que sucedeu..

Não manifestei a menor pressa em fazer qualquer registo no gravador. Por algum tempo, quase me ia esquecendo que estava ali para entrevistar Amália. Direi que não fui um participante activo nos diversos diálogos mas um ouvinte muito atento - Pois, embora bem recebido, não fazia parte do seu núcleo íntimo das suas amizades . Mesmo, perante um ambiente, tão descontraído, tinha de saber ocupar o meu lugar - E, quando se está perante alguém que diz coisas engraçadas, que nos dão prazer, é preferível falar menos e ouvir mais. Foi esse o meu papel.

De resto, Amália, até nem era das pessoas que mais falava. Gracejava, divertia-se dando umas piadas para apimentar a conversa.

Pelo que me apercebi, aquela restrita tertúlia, reunia-se com Amália, não tanto para lhe ouvir as histórias ou desabafos, mas para lhe servir de corte - Tal como os bobos e as damas na corte dos réis. Adoravam Amália e reconheciam-na como a diva, como a rainha. Estava lá também o irmão Vicente, a sua irmã Celeste e a pintora moçambicana Maluda e mais duas amigas. Não as reconheci, mas pareceu-me que eram as visitas especiais daquela tarde. Mas quem se impunha era Maluda - Sentia-se tão à vontade, que parecia fazer parte da casa, tal como o irmão e a irmã da Amália.

Maluda era de complexão forte - a saúde é que acabou por ser fraca e a levou cedo. Fazia parte do restrito grupo das pessoas íntimas de Amália - Também se promoveu à sua custa. Se não fosse essa relação estreita, estou convencida que as famosas janelas, pintadas pela artista moçambicana, teriam ficado no anonimato.

Não tinha papas na língua. Era ela a moderadora, quem trazia os temas à baila. E também a voz mais troante, até parecia ser a governanta da casa. O Vicente ria-se muito mas quase não abria a boca. A Celeste, também sempre muito alegre e participativa. As outras duas amigas, riam-se como as crianças, por tudo e por nada: - Riam-se do que contavam e das risadas que provocavam

Amália, mesmo não sendo a que puxava pelas histórias, era a voz que mais sobressaía. Sempre bem disposta. E com os seus apartes. Mas não falava dela. Se, no pequeno grupo, imaginássemos, em vez de pessoas, instrumentos ou uma sessão de fados, dir-se-ia que, as demais presenças, eram simplesmente instrumento de cordas, as guitarras que acompanhavam, e, Amália, a eterna cantadeira - Amália denotava uma grande sensibilidade e curiosidade em ouvir as pessoas que faziam parte do seu núcleo de amizade e gostava de as pôr a falar. As pessoas inteligentes não gostam de perder tempo a expandir-se em trivialidades. Mas sabem ser socáveis. E gostam de ouvir.

Deixava falar as amigas . Mas não se distanciava do diálogo. Era participativa. E as suas palavras (mesmo não cantadas) soavam com a sonoridade, que lhe é própria, tal como só ela as sabia dizer: soavam à voz inconfundível da grande fadista - A voz da Amália era sonoramente bela, falada ou cantada. O falar de Amália era tão agradável como os fados cantados - Como ela, dificilmente surgirá algum dia quem a imite.

Já ali havia estado por duas vezes, em sua casa, mas apenas durante o tempo tomado para as entrevistas - Agora, de forma algo inesperada, passava ali uma tarde. - Sentia-me como se fosse uma visita habitual da casa da Amália - Até que, por fim, e vendo-a tão bem disposta, achei estarem reunidas as condições para lhe colocar algumas questões(delicadas) sobre a sua vida pessoal - "Como havia sido a sua primeira relação sexual"

E, não querendo que o barulho das outras vozes, pudesse afectar a qualidade gravação (mas sobretudo para estarmos mais à vontade) - perguntei-lhe se não se importava de nos sentarmos nutro sítio - Fui então que me conduziu para o lado oposto da sala, próximo do último degrau da escadaria, onde nos sentámos junto a uma pequena mesa, com o gravador sobre a superfície da mesma.


"Então diga lá o que me quer?!..." - pergunta-me ela, visivelmente bem disposta. Respondi-lhe: "Vamos falar sobre o que estavam a falar... Umas palavrinhas da Amália...Diga o que quiser sobre o assunto...E seja sincera como costuma ser e estavam a ser..Eu gosto muito de a ouvir cantar e também falar". Tive o cuidado de não usar o termo sexo para não lhe criar alguns antagonismos. Pese o facto, como disse, da conversa se haver estendido, praticamente sobre fofoquices desse género.


Sem dúvida, deram-me muito prazer aqueles momentos de convívio- No entanto, o meu objectivo principal era a entrevista, que eu não queria perder. Não tirava da mente esse desejo porfiado. Diria que agi (sem falsa modéstia) um pouco como o prestigiador. E, antes de contar o resto da história, vou explicar de seguida - talvez as razões de algumas dessas propensões



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Nos meus tempos de estudante na  Escola Agrícola, em Santo Tirso,  tirei um cursozinho de hipnotismo por correspondência, do Estoril, em doze lições, mas nunca me transformara num hipnotizador profissional ou mesmo amador ; no entanto, as bases (as técnicas da sugestão) foram sempre muito úteis para a minha vida. Além disso, em garoto aprendi a dança do olhar das bruxas: ainda hoje bailo os olhos à velocidade que eu quiser.


Aprendi a fazer esse exercício nos rituais nocturnos, no velho solar(em ruínas) da Quinta do Vale Cheiroso (ou Vale Cheínho),nas práticas pagãs com as minhas amigas, as filhas do Anjo Luz , nos sabatts ao Magnífico Anjo da Estrela da Manhã - a que eu me refiro noutras postagens.

. CASA ASSOMBRADA - SOLAR DOS VENTOS UIVANTES NO VAL...****.HALLOWEEN - MAIS FOLIA QUE MEMÓRIA AOS MILHARES DE..........HALLOWEEN – NO SOLAR DO VALE CHEÍNHO OU VALE CHEIR........HALLOWEEN QUE MARAVILHOSA A NOITE! NO ANTIGO SOL....







Cada uma levava o seu miúdo e prezo-me de ter sido um deles. A tradição já desapareceu. Consta-se que, uma das mulheres da quinta teria sido queimada na fogueira da inquisição. Sabe-se, porém, através de pessoas que ainda se lembram da última família que lá viveu(os Sousas), que a mesma mandou um dos filhos para o seminário e que, no dia em que ia ser ordenado padre e preparavam uma grande festa na Quinta, morreu de acidente - Vingança, certamente, a uma obscenidade ou provocação à luz dos sítios eleitos para com as antigas tradições da Wicca, que ali eram anteriormente praticadas e que haveriam de ser retomadas, mais tarde. O que poderá ser entendido como um castigo ou maldição. O certo é que, ainda hoje, são muito poucos os que se atrevem a passar frente ao portal, depois do pôr-do-sol. Receiam que apareça por lá o "homem do gorro vermelho." -




A mim, porém, dá-me um gosto especial passar por lá, seja qual for a hora do dia - seja no estio ou até nas mais escuras, frias e invernais - Mas, sobretudo nas noites de luar - e, então, com a Primavera perfumada das giestas e amendoeiras em flor, é como o viajar noutra galáxia: ouvir a água a correr nos regatos e nos ribeiros;o coaxar dos sapos e das rãs , o piar do noitibó e dos mochos, o cantar dos melros a sair dos silvados e os chilreios de outra passarada ou o grito das raposas cheias de cio, oh, mas que cenário mais fantástico!

Ir em demanda do Vale Cheiroso, percorrer os penhascos dos tambores, evocar aqueles tão libertários tempos do pé descalço (quando ia levar a marmita do nosso pastor, da Quinta do Muro, onde éramos caseiros) ou de me ir banhar nu, com a outra garotada num dos poços da lameira ou nos açudes da Ribeira dos Areais, dos Piscos ou do Rio Côa, junto à quinta onde o meu pai nasceu. Sim, recordar e reviver a alegria de ter sentido debaixo da planta dos pés, o palmilhar da calçada romana, o suave ou áspero musgo das fragas ou simplesmente o pulsar da aspereza telúrica do chão fabuloso e mágico do granito ou do xisto, de ter sido o rapaz ingénuo, íntegro, selvagem e natural. Crente num mundo de feiticeiras, anjos luciferinos e lobisomens, com poderes sobrenaturais, superiores aos do eternamente atormentado e crucificado Cristo das igrejas. Sempre que posso, de olhar deslumbrado e de coração em festa, naquele ou noutros lugares, repito os mesmos itinerários de criança, numa espécie de encantatório e místico peregrinar pagão.

O antigo solar, cercado por uma autêntica fortaleza, com vigias para disparar no seu interior e não ser atingido, fica próximo de uma fonte romana e teve tudo: forno do pão, lagar de azeite e de vinho mas não existem vestígios de qualquer capela.

O culto era secreto, sob o pacto do sangue do galo, que bebíamos de uma tigela, depois de sacrificado, ainda quente e em cada ritual. As nossas irmãs (mas hoje recordo-as com as nossas "vampiras" ), beijavam-nos o rabo a cada três voltas de dança no centro do terreiro:
"Viva, viva Barrabás" Três voltas para frente e três voltas para trás" - Mais um beijo no rabo de cada rapaz. Vinham de várias aldeias e reuniam-se a certas sextas-feiras da noite. A ninguém dizia e muito menos aos meus pais ou ao padre da freguesia. Depois da instrução primária fui para o seminário, em Mogofores (com o tino de tirar os estudos, porque os mais pais não podiam mandar-me para um liceu), porém, só lá estive dois meses. Assim que desabafei o meu segredo numa confissão (tipo saca-rolhas) fui logo expulso. Mas eu não fui por por essa via. Não sou bruxo mas um iniciado no paganismo. Ali, na casa da Amália, não houve bruxedos de nenhuma espécie. O mais importante era saber levar, com palavras mansas, a água ao meu moinho. Foi o que procurei fazer.




Devo dizer que, na conversa prévia, que tivera de véspera com Amália Rodrigues, eu fora um pouco omisso. Mas também devo sublinhar que não a traí porque as perguntas foram sempre muito claras, só que progressivas... Ao mesmo tempo que não deixava de a fixar... Encantado pelo que me ia dizendo... Não tanto pelo facto das suas confissões mas pela sua sinceridade. Claro que ela estava absolutamente segura do que dizia....Longe de se poder afirmar que estivesse hipnotizada... Só que se esquecera que havia ali um gravador... Mas, às tantas, lá se deu conta para onde estava a resvalar... e despertou para outra realidade... Depois foi um grande bico de obra, como explicarei adiante... Tive que sair de lá a correr... - Quase me ia precipitando ao descer as escadas... ela e a sua "corte" correram todos atrás de mim. Vieram até à rua... Só descansei, quando apanhei um táxi... E até o taxista se apercebeu, perguntando-me o que é que se havia passado à porta da Amália.

A Maluda era a mais danada e inconformada...Mal eu dei ares de desandar, correu logo atrás de mim, como uma cavalona..
. "És mais parva do que ele!... Foste logo a falar da tua vida pessoal!..." A sua ira dava em recriminar a Amália .Já nem sequer eu era o mau da fita, mas a sua amiga.

Estou convencido que se me apanhassem, tiravam-me o gravador e ainda levava uma tareia. A entrevista ficaria a meio. Ficou nuns 10 minutos e tal, quase quinze. A Amália arrependeu-se e quis tirar-me a cassete e o gravador... "Sou uma figura pública!...Mas que tonta estou eu!... Que disparates estou eu para aqui a dizer?!..." Ainda tenho estes desabafos gravados. Ora, mas que culpa tinha eu de dizer aquilo que não lhe convinha dizer?!... Era adulta e crescida. De resto, até achava que não havia dito nada especial ou de escandaloso... Mas ela subitamente muda de opinião. Ainda lhe propus desgravarmos e começarmos outra entrevista, ainda anuiu mas acabaria por não aceitar. Eu é que não podia era ficar sem o gravador, porque não era meu mas da estação onde trabalhava - Tirou-mo das mãos. Tentou tirar a cassete do seu interior mas a mola estava partida e não saltava para fora.Eu disse-lhe: "Amália, tenha calma... Eu dou-lhe já a cassete... Dê-me o gravador por favor que não é meu ou então vamos começar de novo..."

Ela ainda chegou a concordar... Só que depois apercebeu-se que eu não estava a desgravar a entrevista ... Amália tinha um sexto sentido muito apurado.... Só era enganada se queria... Era muito inteligente e muito sensível. Ela quase adivinhava o que ia na cabeça das pessoas com quem falava... Fiquei com essa impressão... Tive esse eco... Ela captou os meus pensamentos como se fosse um radar a captar as mensagens do inimigo... Eu não queria perder o primeiro registo...Até para não ficar sem nada... Sobretudo à medida que ela própria valorizava a entrevista, a que eu até aí não atribuía nada de especial E Amália apanhou-me a vibração... Grande mulher!...Tinha essa ideia fisgada e ela pressentiu-a.. Não tive a menor dúvida. E já não havia nada a fazer senão procurar recuperar ao menos o gravador. E mais se convenceu da marosca, quando eu lhe disse: "Bom mas temos que nos calar senão vai ficar tudo o que agora estamos a dizer..."

Ficou então duplamente ainda mais preocupada e com a sensibilidade à flor da pele.... Rapidamente fez a leitura de tudo o que ia na minha cabeça... Subitamente senti-me como que desmascarado... Mas também nunca dei o flanco e procurei sempre proteger o meu tesouro...Se há coisa que poderá deixar mais frustrado um jornalista é ficar sem a sua entrevista ou sem a sua reportagem. Quantos não recolhem importantes "furos" de gravador escondido ou câmara oculta, mas o meu gravador estava ali pousado sobre a mesa. Ambos estávamos sentados e não havia ali nenhum jogo escondido. Não estava a cometer nenhum atentado ou crime à honra da Amália.

Já havia passado por uma experiência, com quase idênticos contornos, com as confissões de um elemento da ETA, em Las Palmas. Deu-me a entrevista à noite (contando-me como ele e o seu grupo haviam assassinado um general em Madrid - olhos vendados e de cano de pistola apontado aos ouvidos , jogando à roleta russa ), mas, o diabo do sujeito, pouco depois, arrependeu-se e foi bater ao meu quarto para que lhe devolvesse a cassete. Disse-lhe que lha entregaria de manha. Só que eu levantei-me mais cedo e mudei de pensão. Era das mais modestas da cidade onde não eram pedidos elementos de identificação pessoais.

De facto, Amália tinha razão: ela já não confiava em mim nem no próprio gravador: terá pensado que, além da cassete, ele esconderia algum segredo. Estava muito desconfiada. E realmente já não havia apenas um registo mas dois: o da entrevista, de que ela se arrependeu e depois os lamentos dela, as suas justificações, durante vários minutos. Foi então que me voltou apanhar o gravador: "Você não leva o gravador!!!... Vá à sua vida que não leva o gravador!!... A mim não me engana!!..." Bom, nisto o grupo (que até aí se manteve indiferente junto à janela) pára de conversar e faz-se um silêncio sepulcral na sala... Já só se ouve então a Amália a dizer, meia arreliada: "Você não leva o gravador! Vá à sua vida!.."e eu a pedir-lhe, insistentemente, que mo devolvesse. E a Maluda, que já tinha olhado várias vezes para nós e parecia algo desconfiada de que havia por ali gato, pergunta, com voz alterada e meia zangada: "Amália!... o que se passa?!!...O que é que esse gajo te quer fazer?!....Eu já corro com ele!!!.. ...Já trato dele!!.."

Vendo a ameaça iminente da presença da Maluda, seguida pelo grupo, e quando ela lhe responde. "Eu disse umas coisas parvas e não quero que ele leve o gravador!.. Ele não vai levar o gravador!...Não vai levar o gravador!... quero que ele se vá já embora!" Pois bem, aproveitando então o instante em que ela olha em direcção à Maluda, sim, apanhando-a distraída, tiro-lho o gravador e desato a fugir escada abaixo.

Ainda conservo a cassete, não a divulguei. Está tão audível como se fosse naquele dia. Até hoje apenas se fez uma referência no Tal  & Qual; Qual - mas apenas ao episódio e não ao conteúdo da entrevista. Talvez, um dia, aqui conte alguns pormenores. - Os "intremedos", as perguntas e as respostas antes de ir à questão principal. Mas nunca a totalidade das suas respostas ou as confidências mais íntimas ou pessoais. Ainda não senti coragem por respeito à sua memória. Jamais o farei em qualquer rádio ou televisão, seja a que preço for. Andei dois anos sem aparecer à sua frente...

Numa grande noite do fado, ao passar frente ao camarim, nos bastidores do Coliseu dos Recreios, ela viu-me: "Mas o que é que você anda para aqui a fazer?!!..." - Tive que me escapar imediatamente dali, antes que fizesse algum escândalo. Mais tarde fizemos as pazes: foi no lançamento do livro de Victor Pavão - "Uma Estranha forma de vida", que decorreu na Adega Machado. Autografou-me o livro e deu-me um beijinho muito querido. Depois pousou expressamente para mim, à frente do retrato da Severa – Obrigado Amália Rodrigues  por tão belo momento, cuja foto guardo como um relicário. Também fazia anos em Julho e era do signo Leão, tal como a Bethe. Já vi que cada biógrafo apresenta a sua data, mas creio que você me disse que fazia anos no dia 26 de Julho. Mas também já não estou bem certo...


Adorava ter sido seu conselheiro. Vi que tinha um fraquinho pela astrologia. E eu também sou um curioso dessas questões. Pois ainda falámos sobre o assunto. Fui o Rasputin de várias damas que me foram apresentadas pela bethe - a russa Ludmila, no Ritz, é que me catalogou desse alcunha. Elas queriam mais alguma coisa: que eu fizesse feitiços aos maridos... pelas mais diversas razões. Mas era consigo que eu me teria sentido um príncipe numa corte real. E olhe que gostaria apenas de ter estado no papel de um mero pajem ou animador de convívios. Marimbar-me-ia para o resto. Mesmo já com a idade que tinha. Sim, não era o sexo... Mas a presença fascinante da sua personalidade!... Nunca mais no mundo vai aparecer figura igual!.

Amália tinha também o seu lado de vespa quando subia aos arames... Que eu dei-me conta disso... Zangada era como uma leoa da selva... Mas, no fundo, ela era mesmo a grande diva: não apenas do fado mas como pessoa. Fora bela, sorridente e escultural, quando nova. E, mesmo quando os anos já avançavam, até parecia que nada nela havia mudado: mais ainda: firmara-se no seu rosto, no seu inigualável perfil, o sorriso, a expressão, o olhar entre o alegre e o triste, a candura e a natural beleza, tal como o escultor que eterniza o instante mais nobre e magnífico do busto de uma rainha ou de uma princesa.

Muito determinada e senhora do seu querer e das suas ideias. Era forte como uma padeira de Aljubarrota mas ao mesmo tempo tão frágil como a flor mais bela de um maravilhoso jardim. Esse é o tipo de mulheres que eu sempre mais admirei. Paradoxalmente, em vez de serem os seus namorados a perderem a cabeça por ela, afinal foi a Amália que chegou quase a suicidar-se por um deles...- E tanta vida ainda à sua frente!... - E logo num primeiro embeiçado!...Ele não merecia tão alto suplício, como, de resto, ela reconheceu. Que desastre, mais fatídico, não teria sido para ela, para o fado e para todos quantos ainda hoje a veneram e admiram!... Espero, todavia, que, quando reencarnar e decida cá voltar à companhia dos terrenos, para uma nova fase evolutiva, tenha aprendido melhor a lição...
Na verdade, a sua vida foi mesmo "Uma estranha forma de vida" - Mas que o destino felizmente soube preservar: "cantarei o fado até que a voz me doa" . E, de facto, só a morte lhe calou a voz mas não a memória e a fabulosa herança dos fados que nos legou.

Os milhões que a adoram e a continuam a idolatrar têm razão, porque ela era inimitável.. O seu nome e a sua voz, agora continuam ligados a uma estação de Rádio – A Rádio Amália,  em tão boa hora, lhe dedicaram. Ela partiu mas a sua voz é eterna. Não está connosco fisicamente mas eu estou receptivo às comunicações do seu espírito, quando ela quiser....Quando me apanhar, naquelas noites, lá pelos penhascos da minha aldeia, dialogue comigo, minha alma querida!

Repito o que disse: conservo a gravação mas até hoje nunca a divulguei e, por enquanto, não o tenciono fazer, por respeito à sua memória. Pessoalmente não vejo que me declarasse algo de especial ou de escandaloso. Ela mudou, porém, de opinião, que eu respeitei. Se um dia revelar alguma coisa - parcial ou totalmente, será todavia neste site - Mas nunca aquilo que eu considero que ela não gostaria que fosse além da sua intimidade.

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Foto do autor deste blogue

David Mourão-Ferreira E O SEU FILHO JOÃO DAVID -  LANÇAMENTO DO LIVRO "UMA ESTRANHA FORMA DE VIDA"

O POETA E ESCRITOR FEZ APRESENTAÇÃO DA OBRA E DISSE PALAVRAS MUITO BONITAS SOBRE O SORRISO E A VOZ DA AMÁLIA - EXISTE UM VÍDEO EDITADO NO YOUTUBE


Amália Lançamento do livro estranha forma de vid

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AMÁLIA É O HETERÓNIMO DE PORTUGAL - DISSE O POETA
"Este é o livro do sorriso da Amália. Eu creio que se podia fazer um estudo sobre o sorriso da Amália. Porque, o sorriso de Amália exprime, simultaneamente, o que em nós há de sorridente e de triste. Porque, mesmo por baixo do não sorriso, vislumbramos dentro, o sorriso que tem sido como a voz , evidentemente, e com todo o fascínio da sua presença, um dos grande segredos do mito que é a Amália, do milagre que é a Amália e da grande sorte de todos nós sermos seus contemporâneos"
"Este livro leva-nos até à infância de Amália. Revive os lugares, as pessoas e, sobretudo, é um documento indispensável para compreendermos precisamente o seu extraordinário percurso"
"Falar de Portugal ou dizer português em qualquer parte do mundo é imediatamente ouvirmos como um eco o nome de Amália. Eu já disse uma vez que Amália é um heterónimo de Portugal" - David Mourão Ferreira


HOMENAGEM A DAVID MOURÃO FERREIRA - QUE VÁRIAS VEZES ME DEU O PRAZER DE O ENTREVISTAR - FADO - BARCO NEGRO , DE UM POEMA DE SUA AUTORIA, CANTADO POR AMÁLIA RODRIGUES


Até agora tenho subscrito todas as postagens com o heterónimo de Luís de Raziel. E é minha intenção continuar a fazê-lo. Pois, em todas as pessoas, há sempre uma série de personagens nas suas vidas. E os heterónimos de Fernando Pessoa, é um dos casos mais célebres. Julgo também assumir várias identidades. Não será bem dupla personalidade. Não é bem isso. E também não será propriamente um pseudónimo - pseudónimo é o que sempre usei na minha vida profissional. É coisa que não se explica mas que acontece. E é por esse facto que sou omisso na descrição de alguns pormenores. Mas, para quem me conheça, creio que não será difícil associar-me ao nome pelo qual me conheceu e ao local onde trabalhei. O que certamente desconheceriam eram outras facetas. E é por isso que aqui descrevo coisas de um outro que fui e ainda sou - sem problemas de consciência e perante Deus e o Universo




O meu amigo Alexandrino - gosta muito de dar nas vistas - Conheço-o há mais de 20 anos, muito antes de ir às televisões. É melhor artista(escultor e pintor) de que bruxo. Ainda tem muito que aprender. Aliás, ele é um brincalhão, cultiva a filosofia do prego, gosta muito de mulheres e não leva nada a sério. Os verdadeiros magos não fazem alarido dos seus dotes. A sabedoria ancestral africana é discreta e está bastante mais enraizada aos valores da Natura e é muito mais importante do que o folclorismo dos pretensos curandeiros ou do actual paganismo europeu.

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