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Lisboa, Lisboa, Portugal
Desoculto nocturno é abordagem de várias questões: Ora surgindo desnudado à luz do grande leão dos céus, ora sob o manto diáfono da noite, festejando a princesa das trevas, em peregrinações, onde o piar dos mochos e o grito das raposas, são as únicas vozes que quebram o silêncio milenar de canadas e penedias, nas quais ritos e mistérios ancestrais, ainda vagueiam à solta - Envergando várias túnicas, desdobrando-me em múltiplas personagens - Ou é privilégio do poeta dos heterónimos, que só discorreu à mesa dum café ou acastelado em sua“aldeia”?..Sei que posso correr o risco de não ser tomado a sério: mas que fazer? . - Dizia-se de Florbela Espanca, que os poetas e os profetas “usam disfarces que os tornam semelhantes a tudo o que os cerca”- Quando criei este site, foi apenas a pensar nos chamados fenómenos do mundo paranormal: relatos pessoais, consequência da minha adolescência, em sabates noturnos?!.. Ou fruto de solitárias e longas experiências marítimas em calmos e tempestuosos mares?!.. Estas as interrogações que pretendi aqui abordar. Afinal, cedo constatei ser-me difícil passar indiferente à análise e à reflexão, ocasionalmente, de outros fenómenos e temas da actualidade

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

OS POETAS NÃO MORREM... MÁRIO CESARINY - É UM DELES!


Fotos exclusivas do autor deste blogue




















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Em 2005




















Janeiro 2005


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OS
MÚSICOS E OS POETAS NÃO MORREM,
MESMO QUANDO CHEGADA A HORA,
A MORTE LHES FECHA OS OLHOS.

Cesariny já não faz parte dos vivos.
Morreu ontem ás 5, 30 da manhã, em sua casa!
Ainda o estou a ver…
Quando à mesma hora desceu a avenida da Liberdade
Em madrugada fria de Dezembro.
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Madrugada já perdida

No silêncio do tempo.
Esquecida na memória dos dias.
Boina na cabeça.
Grossa gabardina de gola alta, cingida ao corpo,
Cascol escuro enrolado ao pescoço.
Defendiam –no da frieza húmida da noite.
Andar calmo e discreto.
Não de alguém que por ali deambulasse, sem destino
Ou por ali derivasse, sem propósito, nem rumo definidos.



Antes de o reconhecer, pelo mesmo passeio que sigo,

Evolui vulto que mal se destaca na névoa, tingida a
oiro turvo pela luz escassa, que a luz pública
mal divisa e distingue.
Estranho e dormente é também o silêncio
que só de vez em quando, é interrompido
por escassos carros que vão passando.
eles mesmos, lembrando, por vezes,
vagarosas silhuetas, difusas,
vindas de largas ruas
de alguma cidade fantasma!

Mas o que vejo é Cesariny,
nítido e inconfundível, na figura,
no andar seguro e tranquilo, no sorriso maroto
de uma inocência nunca perdida,
que a idade parece ter preservado intacta.
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Aí está ele! Cabeça levantada. Olhar em frente,
Olhando, horizontalmente, à linha mal iluminada do passeio.
Estilo de ave a quem ninguém impede o voo
de animal selvagem, sem rédeas nem freio.
No passo certo carrega o saber para onde vai,
a indiferença ao caminho, a ausência de embaraço inoportuno,
como quem não trás nada sobre os ombros, o incomode:
nem peso em que vá derreado nem a própria gravidade.
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Vetustos edifícios da antiga avenida,
árvores nuas, descarnadas,
imergem no nevoeiro que tudo ofusca.
Ambiente monótono, estranho! sem vivalma
nas horas de abandonar bares e discotecas, nem partidas
para outras aventuras na vertigem do cio.
A espessa atmosfera, transfiguração em espiral contínua,
confunde e disfarça - Mesmo sem o convite,
persistem o belo e o mistério.














Já lá vão uns anos – mais de vinte ! –
Oh Meu Cesariny! Como o tempo corre?
Como a vida foge! - E, todavia,
até parece que foi ontem! - Um repórter de rádio,
pequeno gravador na mão, atrás do imprevisto,
do inesperado, vagueando na solidão da noite húmida e fria,
quase despovoada de vida e de luz, na mira de algo
que valesse uma noite perdida! - E, um poeta, ateado pelo fogo
e a rebeldia dos seus mais cruéis demónios, fidelíssimos amantes
de inspiração altíssima nas horas mais solitárias e incandescentes,
tocado pelos deuses de Olimpo: Hermes, Apolo e Dionísios
- de quem era ao mesmo tempo enteado e dilecto mensageiro,
atraído pelas tentações e volúpias de uns e outros,
qual viajante solitário em busca de “ palavras
e nocturnas palavras gemidos,
palavras que nos sobem ilegíveis À boca
Palavras diamantes palavras nunca escritas
Palavras impossíveis de escrever”.
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Oh, sim, o inseparável apaixonado “dos braços dos amantes”
que “escrevem muito alto”
Muito além do azul onde oxidados morrem”
O insólito sonâmbulo que vai peregrinando, sem âncora
e sem bússola, de olhos fechados, mas com um grande à-vontade
de quem já trata por tu as avenidas, ruas e os mais discretos becos,
esventrando, por instinto nato, os seus mais recônditos recantos,
fazendo deles o centro do mundo,
e que, tão depressa neles é visto e aparece
aureolado com o brilho de uma estátua em jardim iluminado,
como, imediatamente, se transfigura e funde
ou, mesmo, como súbita névoa que ao pousar
se dilui na atmosfera e no ar desaparece!

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Vale a pena, pois, rever os passos de tão singular figura!
Passeando-se, com a subtileza de um mago,
ou com a altiva nobreza de um Príncipe encantado,
por lugares proibidos – devassando
os escombros das “sombras
que têm exaustiva vida própria”.
Indiferente às aparências, ao escárnio severo,
alheio aos múltiplos perigos e maledicências
que, nas horas mortas, no pico das horas
mais furtivas e silenciosas,
poderão reaparecer ou ressurgir
quando menos se espera: no dobrar de cada esquina
ou num passo mais em falso ou descuidado! Desafiando
convenções sociais, a censura alheia,
não se importando “de ser visto
na companhia de gente
altamente suspeita!”

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Meu Caro Cesariny:
Como sabe, na vida há um tempo para tudo:
Há-o para o amor, a sensualidade, a poesia - para tudo
há o tempo que o homem quiser fazer enquanto for vivo.
E, também, após a morte! – há um tempo para o repouso absoluto!
- Este agora é o seu tempo! O do indomável guerreiro
ter também o justo descanso! – O do luminoso poeta ,
ao descer, lentamente, à Terra, que o criou,
subir, em espírito e, talvez também, em corpo inteiro,
imediatamente ao Céu!


E, quanto a mim, amigo:
o meu tempo, pelo menos, por agora,
a estas tardias horas da madrugada,
em que a memória de novo me faz recuar
àquela fria noite de Dezembro,
é a de um longo momento de sentida emoção:
- tão só para recordar o belo poema,
os lindos versos, ditos palavra a palavra,
que tive o privilégio de gravar,
tal qual acabavam de ser criados,
por um inesperado poeta que, ali,
imerso em nevoeiro e névoa, quase irreal,
os dizia, com a mesma expressão
sublime e sagrada de quem diz uma oração!
(jtm)
Lisboa, 27 de Novembro de 2006

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