"Este é o tempo do insólito, do vigário, do capricho, da mentira, da falsificação, do cheque sem cobertura, da banha da cobra. Não temos um estalão para nada, a própria Terra não garante a estabilidade do metro, o sistema de pesos e medidas é duvidoso que funcione, tudo existe apenas em função de si e não de qualquer outra coisa que lhe confira validade. Hoje tudo é possível porque nada é possível. Hoje a verdade não se demora até ser mentira mas uma e outra se convertem mutuamente e são ambas válidas na sua mútua referência, sendo a mentira verdade e ao contrário. Hoje é o tempo dos aventureiros, do medíocre sagaz, da esperteza, que é a inteligência da astúcia.Hoje é o tempo do curandeiro, do endireita, do bruxo, do vidente, do profeta e do prestidigitador .Hoje é o tempo de ser estúpido porque o inteligente não há razão para não ser mais estúpido de que ele. Hoje é o tempo de todos os caminhos estarem desimpedidos porque não há razão para um sistema fiscal. Hoje é o tempo da noite para todos os gatos terem a mesma identidade. Hoje é o tempo de tudo ser tempo de. Hoje é o tempo de tudo, portanto de nada. Hoje é o tempo de não ser.Levanta-te em ti, se puderes, o que te resta de homem, para seres alguma coisa." In Pensar Vergílio Ferreta, 1992
De facto, até para os mortos, o tempo vaia mau - Depois de muito penar, depois do mais supremo sacrifício ou expiação, a morte encarrega-se de os esquecer. Para os vivos, a morte pode ser o instante, o momento presente - Basta que a terra estremeça de forma dramática e desastrosa - Sem se dar com isso. o tecto de desaba e cai-nos em cima. Deus nos livre de tal cenário. É um segredo que nem os desuses o sabem. Só talvez as forças dos abismos, pois os deuses são etéreos e, ao que parece, distraem-se lá pelas alturas. A morte é algo em que os novos não perdem tempo; acham que a morte é sempre com os outros. Nem pensar numa coisa dessas. Mas também se enganam; não viram o que agora sucedeu a mais de duas centenas de jovens numa discoteca brasileira? - Coitadas das famílias: vi na televisão a Presidente Dilma, comovida . Fez-me também comover, pois pareceram-me que não eram lágrimas fingidas. No entanto, que dor imensa não será a dos país que perderam os seus queridos filhos, ainda tão jovens?!...
Pois é, a morte quando quer entrar em casa de alguém, não pede licença. A morte não é só aquela que caminha no cortejo fúnebre para o cemitério ou das imagens que todos os dias nos chegam através dos telejornais. A morte também é industrial. Sem ela não viviam os cangalheiros, a medicina, que se aproxima dos vivos, quando estes sentem que estão com os pés à cova ou que esta os pode chamar.. A morte também é amiga de dirigentes políticos que acham que os velhos não têm direito a ser assistidos e querem que a morte os console. A morte também agrada aos banqueiros e grandes capitalistas, pois acham que a vida deles está sempre bem salvaguarda – sabem que nem o Diabo os quer. Mas principalmente, porque, sabendo que os operários são carne para canhão, facilmente descartáveis e que à menor birra os podem chutar, entendem que basta-lhes umas meras migalhas e que a morte faça o resto.
Sim, a morte está no rosto dos desesperados que passam fome e não têm onde dormir, senão nos cantos das ruas. Ontem, por volta da meia-noite, lembrei-me da imagem da morte: ao passar pela Gare do Oriente, vi muitos corpos embrulhados em trapos ou cartões deitados na frieza do cimento nos átrios subterrâneos desta emblemática estação de Lisboa. Um frio de arrepiar, autêntica câmara de frigorífico em ponto grande. Para que o cenário fosse mais condizente, só faltavam lá os gavetões das câmaras mortuárias e umas velas. Não havia por lá sítio, fora do chão, que não estivesse cheio de almas sem abrigo. Disse-me o vigilante que vêm ali a dormir muitos reformados que têm magras pensões de duzentos euros, com as quais não podem pagar um quarto . E, como vão teimam, por enquanto, em resistir, lá vão arrastando a vida com olhos de morte. Então, este ano, com os despejos em força, devido à barbaridade da nova lei do arrendamento urbano, não haverá dia algum em que uns quantos não ponham termo à sua penosa e desesperada existência. O ano passado - dizem as estatísticas - batemos os recordes. Este ano vai ser a triplicar, bem pior – Todavia, somos bons alunos da Europa de Merkel. Confessou ainda o dito vigilante, que os seus tecto, só podem permanecer durante a noite: é proibido ficar lá estendido durante o dia. Toca a girar: Passos e Portas, acham que isso pode afectar a imagem da nação a quem nos visitar pelas ditas portas do oriente. - E assim vai a vida sem futuro para milhões de portugueses, aos quais não restam outras alternativas, que não sejam as de ir servir de criados, ou aos novos ricos dos países que colonizamos – Olha ele? para a cultura que lá deixámos! Ou para uma Europa dominada pelos mesmos abutres que nos exploram aqui a pele – Quanto ao mercado chinês? – Só não vê quem não quer: qual a rua da cidade onde não há uma frutaria ou loja chinesas?!... Eles, Catroga e Mexia, estão todos bem: os nosso comércio e as nossas fábricas de calçado e vestuário, é que está tudo arrumado –E também os portugueses e as suas aldeias, estão em vias de extinção -
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